terça-feira, setembro 26, 2006

Investigações no Santuário de Endovélico - ano de 2002 - 2ªParte

1. Objectivos, estratégias e metodologia da intervenção de 2002

Como já se referiu, em função dos objectivos predefinidos, enfrentávamos três grandes tarefas:
• Em primeiro lugar, o levantamento topográfico da crista sobre a qual se ergueu a ermida de S. Miguel da Mota;
• Uma prospecção faseada da área, com registo das zonas de concentração de vestígios arqueológicos;
• A realização de sondagens na plataforma onde presumivelmente teria existido a ermida de S. Miguel.

As prospecções destinavam-se a obter a desejada informação que nortearia todas as futuras intervenções no local. A primeira questão para a qual desejávamos obter resposta era a de saber quais as áreas abrangidas pela dispersão de vestígios de antigas ocupações e qual a sua natureza; seguidamente, interessava apurar a cronologia das mesmas, facto importante para um cabal esclarecimento sobre a eventual existência de uma ocupação pré-romana, bem como utilizações pós-romanas; finalmente, registar a dispersão dos elementos geológicos estranhos ao local e potencialmente indicadores da existência de estruturas monumentais, designadamente templos.
Optámos por realizar várias batidas de campo com um carácter sistemático em toda a crista e encostas. Essa primeira abordagem permitiu confirmar as observações já publicadas por Manuel Calado de que a área de concentração de vestígios era a encosta Este (Calado, 1993, p. 61), justamente aquela onde se observavam as descontinuidades topográficas que sugeriam a presença de estruturas soterradas, primitivamente interpretadas por Leite de Vasconcellos como um suposto amuralhado castrejo, refira-se que esta interpretação “sobrevive” no processo de classificação do local como Imóvel de Interesse Público, mas não foi confirmada pelos nossos trabalhos, como haverá oportunidade de comentar.

Uma vez identificada esta área, foi a mesma percorrida em transectos, de orientação Norte-Sul com recolha sistemática e contagem de elementos arqueológicos, por categorias tendo-se utilizado as descontinuidades topográficas visíveis no terreno para delimitar áreas. Esta tarefa foi facilitada pela existência de um olival na base do serro que, por estar limpo, facilitava a visibilidade do terreno, constituindo ainda um precioso auxiliar de orientação para cada transecto. Já a plataforma superior foi insuficientemente reconhecida, porque o abundante mato arbustivo ali existente tornava quase nula a visibilidade no terreno.

2. A intervenção

Pela intervenção se ter dividido em três grandes áreas de acção, optámos por tratar detalhadamente cada uma delas.

2.1. O levantamento topográfico

Para o levantamento topográfico da área em questão delimitou-se a zona correspondente da Carta militar de Portugal (1: 25 000), elaborando, a partir dela, um mapa com uma escala de aproximadamente 1:5000. Este mapa serviu de base para a inserção das estruturas visíveis no terreno tais como: o caminho de acesso, os casais agrícolas, com os respectivos currais para os animais, e também a área da escavação. Estes trabalhos foram realizados com recurso a uma estação total (Leica T 1100). Além disso foram introduzidos na cartografia os leitos dos riachos que drenam o monte de S. Miguel da Mota, e os corta-fogos, recentemente rasgados.
O método utilizado para a implantação das diversas realidades observadas foi o GPS, apesar de implicar alguma margem de erro, não significativa, atendendo às escalas utilizadas. O trabalho topográfico foi acompanhado de uma prospecção arqueológica no terreno, nomeadamente nos corta-fogos.

2.2. As prospecções

As tarefas de prospecção podem ser divididas em três grandes fases: uma primeira de largo alcance que abrangeu toda a área da extensa crista sobre a qual se ergueu no passado a ermida de S. Miguel da Mota, as suas encostas e outras áreas envolventes. Tratava-se, sobretudo, de verificar e confirmar as informações transmitidas por Manuel Calado na Carta Arqueológica do Alandroal (Calado, 1993, p. 61). De facto, este nosso colega realizara já importantes observações no local, concluindo que era na encosta Nascente que se concentravam os indicadores de antigas presenças humanas, expressos na existência de descontinuidades no terreno, presumivelmente correspondentes a outras tantas áreas construídas, e materiais arqueológicos de época romana (Calado, 1993, p. 61). As nossas observações comprovaram plenamente estas informações. Tal como Manuel Calado, também não conseguimos identificar qualquer indício da suposta necrópole de cistas, referida por Leite de Vasconcellos — sublinhe-se que o fundador do Museu Ethnologico não chegou a ver a dita cista que ali teria aparecido, “(...) ao meio da encosta (...) do lado do Poente, a distância de uns 600 metros do monte (...)” (Vasconcellos, 1916, p. 174), tendo recebido somente uma descrição da dita e os “(...) dois vasinhos de barro (...) de tipo prehistorico(...)” (Vasconcellos, 1916, p. 174) que ela continha. Assinale-se, porém, que a distância mencionada nos parece manifestamente exagerada e, infelizmente, não há registo da entrada destes recipientes cerâmicos no Museu Nacional de Arqueologia — não temos dúvidas de que as peças para aqui foram trazidas, tal como Vasconcellos escreveu, mas a ausência de um registo de entrada específico para as mesmas torna extremamente difícil o processo da sua localização nos fundos da instituição.

Nas construções existentes em toda a crista, a saber, um estábulo a norte, do lado esquerdo do caminho que conduz à elevação, o monte, propriamente dito, um pequeno curral todos do mesmo lado do caminho, e um outro curral, de maior dimensão, já a sul do marco geodésico, foi possível observar a existência de diversos elementos antigos reaproveitados, designadamente, placas e fragmentos de mármore e blocos de granito, paralelepipédicos, que corresponderiam a silhares.

Todos estes elementos, por serem geologicamente estranhos à elevação, foram registados e cartografados, embora se encontrassem em contexto secundário. Digamos que o aspecto mais interessante desta pesquisa consistiu na identificação de que por ali terá existido alguma construção (ou construções) que usou silharia granítica e, provavelmente, revestimentos marmóreos.

Estas observações permitiram ainda a identificação do que parece ter sido um antigo caminho de acesso ao topo da crista, de orientação norte-sul, paralelo ao actual, mas num plano inferior. Pelo que conhecemos da implantação da antiga ermida de S. Miguel e pelas condições gerais de acesso ao topo da crista, não será de excluir a possibilidade de se tratar do antigo caminho que conduzia ao templo cristão (desembocaria em frente à porta de entrada), eventualmente sobreposto a uma via mais antiga. Contudo, esta última hipótese suscita-nos alguma reserva, uma vez que o caminho se localiza na encosta poente da crista, para onde o templo de S. Miguel tinha a sua porta voltada, enquanto que os materiais romanos se concentram sobretudo na encosta nascente.

A encosta nascente, por ser aquela onde se concentravam os materiais de época romana, mereceu uma atenção de outro tipo. Desde logo, as descontinuidades topográficas observadas, constituídas por socalcos longos de orientação norte-sul, definindo plataformas, permitiam o estabelecimento de distintas zonas, merecedoras de prospecções com um carácter mais sistemático.
Optámos por defini-las como diferentes zonas e, dentro de cada uma delas, a realizar uma batida sistemática de terreno, por transectos, com recolha integral de materiais e respectiva quantificação.
Toda a crista de S. Miguel da Mota foi alvo de uma prospecção sistemática. Esta tarefa afigurava-se particularmente difícil, devido à vegetação densa de giestas e árvores que o cobrem.

Foi possível levá-la a cabo graças aos corta-fogos, abertos há pouco tempo. As máquinas traçaram longas clareiras de entre 7 a 10 metros, rasgando a terra, de modo que a prospecção nessas áreas, muito numerosas, pode considerar-se como indicador fiável de eventuais presenças humanas. O resultado da prospecção foi absolutamente nulo, isto é, não se encontrou um único artefacto ou qualquer outro indicador da existência de sítios arqueológicos. Contrastante com este panorama geral, a encosta nascente apresentava uma densidade extraordinária de fragmentos de cerâmica, associados às já mencionadas descontinuidades de terreno.

Nesta encosta nascente, distinguimos três zonas claramente diferenciáveis pela orografía do terreno. Atribuímo-lhes as designações de áreas A, B e C, em conformidade com a sua posição na encosta. Considerámos ainda uma área D, voltada a poente, onde também se podia observar a presença esporádica de materiais arqueológicos embora fosse evidente que se tratava de uma área de interesse menor.
Julgámos útil considerá-la, na quantificação dos fragmentos cerâmicos, em igualdade com as outras, justamente para sublinhar essa diferença.
A área A encontra-se mais próxima do topo da crista, junto da plataforma onde se teria implantado a ermida de S. Miguel, e tem a superfície mais pequena. A B é bastante maior e situase a meia encosta, estendendo-se praticamente até ao seu sopé. Finalmente, a C localiza-se no fundo do vale, já em zona plana. Pela densa vegetação arbustiva ali existente, ficou excluída a área imediatamente abaixo do topo da crista, isto é, a mais próxima do local onde realizámos as sondagens.

A área A está separada da B por um muro de socalco, hoje em parte derrubado, construído com blocos simplesmente desbastados e empilhados, sem recurso a qualquer argamassa.
Esta estrutura foi retendo as terras, formando deste modo uma plataforma, a área A, com um desnível de mais de dois metros relativamente à zona que definimos como área B. As áreas B e C estão separadas por um caminho de uso moderno, com direcção noroeste-sudeste, que conduz à vizinha povoação de Terena.
Trata-se de terrenos de uso agrícola, plantados com olival. Como é característico neste tipo de cultura, as árvores dispõem-se de forma regular seguindo um sistema ortogonal, orientado, neste caso, em direcção noroeste-sudeste. Uma vez que a área a prospectar estava assim aproveitada, resolvemos servir-nos das fiadas de oliveiras como guias para os transectos. Assim, tanto em A como em B, os corredores entre linhas de árvores foram denominados com números, obtendo-se de este modo uma notação clara e expedita de proveniência para os materiais recolhidos (A1-A11, e B1-B27). Pela exiguidade do material encontrado na área C, prescindimos desta numeração, até porque o material se encontrava concentrado maioritariamente na berma do caminho, provavelmente por acção de limpeza dos terrenos promovida por quem os explorou ou explora.

A prospecção foi levada a cabo durante apenas uma semana e contou com a participação de quatro/cinco pessoas. Devido às condições atmosféricas da época, o mês de Outubro, e depois das primeiras chuvas outonais, a terra estava coberta de vegetação recente o que dificultou de algum modo a recolha. No entanto, pensamos ter obtido uma imagem suficientemente expressiva da dispersão do material.

terça-feira, setembro 19, 2006

Investigações no Santuário de Endovélico - ano de 2002 - 1ªParte

O sítio de S. Miguel da Mota, Terena, está de há longa data associado a Endovélico, uma divindade indígena cultuada sob o domínio romano, admitindo-se que ali se localizaria o seu santuário. O abundante acervo epigráfico e escultórico aí recolhido por Leite de Vasconcellos, em 1890, tem dado origem a diversos textos. Contudo, nunca se realizaram no local intervenções, que permitissem contextualizar o culto. Os signatários iniciaram, em 2002, um projecto de investigação que visa responder a esta interrogação.

Procurou-se, neste primeiro ano de trabalho, realizar as seguintes acções: levantamento topográfico da zona, prospecção sistemática da área e sondagens no local onde se ergueu a ermida de S. Miguel da Mota, que tinha reaproveitado inúmeros elementos do antigo santuário.As prospecções permitiram identificar vários elementos arquitectónicos indicadores de antigas construções que usaram silharia de granito e elementos de mármore, ambos geologicamente estranhos ao local, sobretudo reutilizados nas construções recentes que ali se encontram, bem como uma área de particular concentração de vestígios de época romana, a encosta Este do serro onde se erguia a ermida. Uma recolha sistemática de materiais permitiu concluir que não subsistem vestígios de ocupações pré-romanas e que a utilização de época romana parece circunscrever-se ao período compreendido entre o século I e os inícios do III d.C.

As sondagens realizadas na área da ermida revelaram que a intervenção de Vasconcellos em 1890 tinha sido de facto profunda, afectando praticamente toda a sua estrutura, até aos alicerces. Foi possível esclarecer que não existe qualquer templo romano sob esta construção, embora se tenham encontrado indícios aparentemente anteriores à fase moderna da ermida, particularmente sepulturas de inumação, estruturadas com lajes de xisto e orientadas E-W. Fora de contexto, foram recolhidos materiais de fase tardo-romana, duas moedas do século IV, um fundo de ânfora lusitana tardia, um fragmento de sigillata clara D e uma lucerna Atlante X. Estes materiais de cronologia avançada contrastam com os recolhidos nas prospecções da encosta nascente.

No decurso das sondagens foi possível recolher um notável e variado conjunto escultórico, que se encontrava sepultado sob as estruturas da ermida, bem como três novas aras consagradas a Endovélico.
Finalmente, procedemos a prospecções geofísicas na encosta nascente que revelaram um conjunto de estruturas soterradas que parece indicar a existência de um “santuário de terraços”.
Assim, o santuário de Endovélico terá sido uma construção monumental de plano clássico, edificada em época romana, que será investigado em futuras campanhas.


Introdução


O sítio de S. Miguel da Mota, concelho de Alandroal, emblematicamente associado ao santuário da divindade indígena Endovélico, cultuada em época romana, está classificado como imóvel de interesse público pelo Decreto 67/97, de 31 de Dezembro (Diário da República, n.º 301). Localiza-se na parte mais elevada de uma longa crista rochosa, a noroeste da vila de Terena, no concelho de Alandroal, distrito de Évora (C.M.P. 1: 25 000, folha 451 - Coordenadas de um ponto central : Lat: 38º 38’ 37” e Long.: 7º 26’ 30”).

Apesar das múltiplas páginas que, desde os fins do século XIX, para não recuarmos mais, têm sido consagradas ao local e ao abundante espólio recolhido por José Leite de Vasconcellos, falta ainda uma efectiva contextualização do culto. Isto é, praticamente toda a informação que tem sido mobilizada é a que advém da leitura do significativo lote de epígrafes e da observação e interpretação dos elementos escultóricos, sendo totalmente ignorada a forma e implantação do santuário propriamente dito, bem como as condições concretas em que se dispunham os numerosos ex-votos ali existentes.

Esta carência foi, uma vez mais, sublinhada pela importante exposição promovida pelo Museu Nacional de Arqueologia que, realizando o ponto da situação sobre “as religiões da Lusitânia”, com particular relevo para Endovélico, cuja hipotética face (LIMC) constitui o ex-libris do evento (Ribeiro, 2002). A consciência havida de que faltava esse importante elemento contextual fez nascer o projecto arqueológico de S. Miguel da Mota.
O projecto resulta do esforço conjunto da Unidade de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, representada por Amílcar Guerra e Carlos Fabião, e da Delegação de Madrid do Instituto Arqueológico Alemão, representada por Thomas Schattner, que conjuntamente o dirigem. A associação de ambas entidades foi considerada a melhor forma de reunir os meios necessários e as competências específicas para o bom desenvolvimento do mesmo. O facto de praticamente se não ter trabalhado no local desde os princípios do século XX, quando José Leite de Vasconcellos ali fez as últimas intervenções, na sequência do desmantelamento das ruínas da ermida de S. Miguel, que empreendeu em 1890, colocava diversas questões práticas que se afigurava importante esclarecer previamente. Por esta razão, em lugar de avançarmos imediatamente com um programa de intervenção plurianual, propusemos ao IPA a realização de um conjunto de intervenções preliminares, que poderiam orientar o desenho de um programa de maior fôlego. Para além das referências do fundador do Museu Etnológico, dispúnhamos, ainda, das informações publicadas, resultantes das recentes prospecções ali efectuadas por Manuel Calado (1993, p. 61).

No quadro dos objectivos genéricos, de procurar orientações para uma efectiva contextualização do culto de Endovélico, desenharam-se várias etapas de intervenção, devidamente faseadas.
Em primeiro lugar, visar a delimitação da área de interesse arqueológico para, deste modo, orientar as acções de intervenção no subsolo. Esta tarefa foi considerada prévia a todas as outras, pelo que nos ocupou uma parte da presente campanha. Basicamente, o que se pretendia era determinar a área (ou áreas) de culto, ou com ele associada(s), consubstanciada na identificação de elementos arqueológicos dispersos à superfície; definir, tanto quanto possível, o seu âmbito cronológico, com base em informação diferente da proporcionada pelas características intrínsecas das epígrafes ou da estatuária; averiguar se existe, entre os materiais arqueológicos identificados, algum elemento que permita esclarecer a diacronia das práticas cultuais e, sobretudo se efectivamente há elementos que permitam supor que um primitivo local de culto, pré-romano, existiu no cerro de S. Miguel da Mota.

Finalmente, como não poderia deixar de ser, em face das ideias dominantes sobre o sítio, determinar se a ermida se sobrepunha a alguma estrutura de carácter religioso mais antiga: ou ao templo romano, como sugeria Gabriel Pereira (Pereira, 1889, p. 145-146), ou a uma estrutura mais recente, que marcasse o processo de cristianização do local de culto, que a presença de alguns elementos iconográficos parece sugerir (Correia, 1928, p. 377; Almeida, 1962, p. 119-121; Real, 1995, p. 45).
Como estamos a trabalhar num local onde existiram já várias intervenções, a saber, demolição da ermida para recuperar epígrafes e elementos escultóricos, empreendida por José Leite de Vasconcellos, em 1890 (Vasconcellos, [1890] 1938, p. 197-206; 1905, p. 111 e ss. e 1916, p. 153-154 e 174-175), novas pesquisas empreendidas pelo mesmo em 1904 e 1907 (Vasconcellos, 1913, p. 196, 1915, p. 326-329, 1916, p. 153-154 e 174-175), entre outras menores, cujos contornos não foram esclarecidos nas sucintas páginas que sobre elas se publicaram, impunha-se igualmente uma reavaliação de toda a informação já recolhida, com especial atenção à depositada no Museu Nacional de Arqueologia.

Este processo de reavaliação dos espólios recolhidos nos trabalhos em S. Miguel da Mota terá em consideração também a escultura e a epigrafia, mas procurará tratar sobretudo o restante espólio arqueológico de lá trazido, supõe-se que para o Museu Nacional de Arqueologia, mas nunca efectivamente publicado -Vasconcellos falou de “(...) algumas moedas, e de uns fragmentos de vidro e de barro (...)” (Vasconcellos, [1890] 1938, p. 201) ou de “(...) objectos de barro e de vidro e moedas romanas do sec. IV (...)” (Vasconcellos, 1905,p. 122) —, bem como da documentação manuscrita relacionada com estes trabalhos, que se conservará (supomos) nos espólios legados pelo Autor a diversas instituições públicas, Museu Nacional de Arqueologia, Biblioteca Nacional e Faculdade de Letras de Lisboa, sendo o núcleo do Museu aquele que mais possibilidades tem de albergar essa documentação. De facto, por diversas vezes foi prometida a publicação de “ (...) uma monographia circunstanciada sobre o assunto” (Vasconcellos, 1905, p. 112) e de um estudo detalhado sobre as intervenções de 1907 (Vasconcellos, 1913, p. 196), que nunca se concretizaram. Assinale-se que o próprio Leite de Vasconcellos escreveu que “As minhas pastas e gavetas abundam de apontamentos e notas que respeitam à historia do Alandroal (...)” (Vasconcellos, 1916, p. 154), por tudo isto, é de supor que a pesquisa documental venha a ser frutuosa.

Em traços gerais, é este o programa do projecto de investigação de S. Miguel da Mota. Para o primeiro ano, que considerámos de exploração preliminar, tínhamos projectado iniciar as pesquisas no Museu Nacional de Arqueologia, em busca dos espólios nunca publicados e dos documentos constantes do legado do seu fundador, e, no terreno, desenvolver trabalhos que visavam três objectivos distintos:
• Levantamento topográfico do serro de S. Miguel da Mota, tarefa preliminar a todas as acções a desenvolver no terreno;
• Prospecção sistemática da área, com vista à determinação das zonas de dispersão de indícios de antigas ocupações, com especial incidência nas encostas da crista sobre a qual se ergueu a ermida de S. Miguel;
• Realização de breves sondagens na plataforma onde esta teria existido (nada era perceptível no terreno), visando esclarecer se existiria, de facto, a sobreposição física da mesma relativamente ao templo romano ou a outra qualquer estrutura cultual cristã, mais antiga, como se tem pretendido, e determinar a natureza das intervenções ali feitas por Leite de Vasconcellos.

A equipa de trabalho foi constituída por Amílcar Guerra, Thomas Schattner e Carlos Fabião que são, igualmente, os promotores do projecto de investigação. O arqueólogo Rui Almeida assegurou as tarefas de coordenação de campo, auxiliado nas últimas semanas de trabalho por Teresa Laço. Rainer Komp ocupou-se do levantamento topográfico e Monica Perkovic da fotografia, excepto nas últimas duas semanas. Participaram igualmente nos trabalhos Joana Tsometsidou e Astrid Puckett estudantes de Arqueologia Clássica da Universidade de Giessen e três trabalhadores locais contratados.

O Instituto Português de Arqueologia, a Delegação de Madrid do Instituto Arqueológico Alemão e a Câmara Municipal do Alandroal forneceram os meios necessários à realização dos trabalhos. Estamos gratos, igualmente, à Junta de Freguesia de Terena, que nos proporcionou um espaço de trabalho para limpeza e tratamento de materiais, bem como à Srª D. Genoveva Belo, proprietária do terreno, por amavelmente nos ter autorizado a proceder às prospecções e sondagens.
Os trabalhos de campo, levantamento topográfico, prospecções e escavações decorreram de 30 de Setembro a 1 de Novembro de 2002 e as propecções geofísicas de 15 a 19 de Fevereiro de 2003.

Mesmo antes da realização dos trabalhos assumimos a incumbência de proceder com a maior celeridade possível à divulgação preliminar dos seus resultados. Estávamos conscientes da expectativa criada por esta primeira intervenção e, por isso mesmo, sentiamo-nos na obrigação de o fazer. A qualidade da informação obtida só veio reforçar esta ideia. O que se segue constitui, pois, uma relação preliminar de dados, apresentada mesmo antes da maior parte dos materiais ter sido submetida às necessárias limpezas. Assim, deverá ser entendido mais como um relatório de progresso do projecto de investigação, do que propriamente um relatório final.

in "Revista Portuguesa de Arqueologia, Vol. 6, nº 2/2003"